O Tribunal Supremo de Angola aceitou, finalmente, receber a providência cautelar que pretende suspender a eficácia da posse de Isabel dos Santos como presidente da petrolífera Sonangol, tendo dado oito dias para o Presidente da República (pai de Isabel dos Santos) e a empresária se pronunciarem.

Ainformação foi avançada hoje, em Luanda, por David Mendes, porta-voz do grupo de advogados angolanos que interpuseram esta acção, citando fonte judicial e garantindo que a notificação a José Eduardo dos Santos, que enquanto chefe de Estado nomeou para aquelas funções a sua filha, Isabel dos Santos, terá acontecido “entre 19 e 20 de Outubro”.
“O Tribunal Supremo já citou o Presidente da República e Isabel dos Santos para, em oito dias, responderem à nossa contestação. Quer dizer que a providência cautelar não foi indeferida”, sublinhou o advogado.
São 12 os advogados angolanos que assinam a petição que deu entrada no Tribunal Supremo, em Luanda, a 10 de Junho, colocando em causa a legalidade da decisão de nomeação (oito dias antes) da empresária pelo seu pai e chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, e pedindo a suspensão da mesma.
Para estes juristas, a nomeação viola a Lei da Probidade Pública (sobre o exercício de funções públicas), de 2010, e envolve uma queixa na Procuradoria-Geral da República, subscrita pelos mesmos.
Isabel dos Santos tomou posse como Presidente do Conselho de Administração da Sonangol a 6 de Junho.
O advogado e porta-voz do grupo, David Mendes, afirmou a 21 de Setembro, em conferência de imprensa, em Luanda, que o prazo máximo de 45 dias para que o tribunal se pronunciasse sobre a providência cautelar – que antecede a acção principal – foi há muito ultrapassado, o mesmo acontecendo com as participações enviadas à Procuradoria-Geral da República e Presidência da República, também sem resposta.
“Só o facto de o tribunal ter aceitado a providência, para nós já um passo muito importante. Porque ao aceitar, no mínimo tem razões bastantes para não a indeferir e pela primeira vez vamos ter a possibilidade de um tribunal indagar um Presidente por um acto por ele praticado”, explicou hoje o advogado.
Estes advogados alegam, na acção movida, que, “ao ter permitido que a sua filha fosse nomeada”, o Presidente angolano terá cometido “uma improbidade pública” e que “devia ter-se abstido, como manda a lei”.
“A lei diz que o agente público não deve nomear ou permitir nomeações e contratos quando há intervenção de sua esposa, dos seus familiares em primeiro grau em linha recta e até ao segundo grau da linha colateral. A própria lei é que impõe esse impedimento”, observou David Mendes.
Alguns sectores da sociedade civil angolana pretendem realizar a 26 de Novembro, em Luanda, uma acção cívica contestando a falta de decisão sobre a providência cautelar contra a nomeação de Isabel dos Santos para a administração da petrolífera Sonangol.
O anúncio foi feito em carta, submetida a 10 de Outubro ao Governo da Província de Luanda, em que se refere tratar-se de uma acção cívica pacífica, a realizar entre as 15:00 e as 20:00.
A carta é subscrita pelo antigo primeiro-ministro de Angola Marcolino Moco, pelo jornalista William Tonet, pelo professor universitário Fernando Macedo, pelo activista Luaty Beirão e pela activista de direitos humanos Sizaltina Cutaia.
Os seus promotores sublinham que o “objecto da manifestação e reunião é político”.
“Visa protestar pacífica e publicamente contra a denegação de Justiça pelo Tribunal Supremo de Angola em relação à Providência Cautelar intentada junto deste mesmo tribunal por causa da nomeação inconstitucional e ilegal de Isabel dos Santos para o cargo de PCA (Presidente do Conselho de Administração) da Sonangol pelo Presidente da República de Angola”, lê-se na carta.
O protesto é igualmente “contra a omissão da Procuradoria-Geral da República depois de ter recebido notícia, por via dos advogados da causa, da inconstitucionalidade e ilegalidade desse acto administrativo praticado pelo Presidente da República de Angola”.
Os subscritores especificam na carta que a manifestação “não vai ser um desfile nem uma marcha”, circunscrevendo-se em termos de espaço físico ao Largo da Independência.
A carta de quem acredita no futuro de Angola
A carta de quem acredita no futuro de Angola

Probidade? Onde? Onde?

Advogados mas não só alegam que foi violada a lei da probidade pública. Mas a verdade é que só teriam razão se o reino de sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos, fosse uma democracia e um Estado de Direito. Como não é…
A Lei da Probidade Pública constitui, segundo o seu articulado e os devaneios propagandísticos do regime, mais um passo para a boa governação, tendo em conta o reforço dos mecanismos de combate à cultura da corrupção.
Recorde-se que a Assembleia Nacional aprovou no dia 5 de Março de 2010, com o devido e apologético destaque propagandístico da imprensa do regime e não só, por unanimidade, a Lei da Probidade Administrativa, que visa (de acordo com a versão oficial) moralizar a actuação dos agentes públicos angolanos.
Disseram na altura, e continuam a dizer agora, que o objectivo da lei é conferir à gestão pública uma maior transparência, respeito dos valores da democracia, da moralidade e dos valores éticos, universalmente aceites.
O presidente da República no poder desde 1979 (sem ter sido nominalmente eleito), do MPLA (partido no poder desde 1975) e chefe do Executivo angolano (para além de outros cargos), José Eduardo dos Santos, quando deu posse ao então novo Governo, entretanto várias vezes remodelado, reafirmou a sua aposta na “tolerância zero” aos actos ilícitos na administração pública.
Apesar da unanimidade do Parlamento, e passado todo este tempo, o melhor é fazer, continuar a fazer, o que é aconselhável e prudente quando chegam notícias sobre a honorabilidade do regime, esperar (sentado) para ver se nos próximos dez ou 20 anos (o optimismos faz parte do nosso ADN) a “tolerância zero” sai do papel em relação aos donos dos aviários e não, como é habitual, no caso dos pilha-galinhas.
Essa lei “define os deveres e a responsabilidade e obrigações dos servidores públicos na sua actividade quotidiana de forma a assegurar-se a moralidade, a imparcialidade e a honestidade administrativa”. É bonito. Digam lá que não parece – em teoria – um Estado de Direito?
Mas alguém acredita? Mas alguém está interessado? Interessados estamos (quase) todos. Mas também (quase) todos não acreditamos.
A grande maioria dos angolanos não acredita. Têm, contudo, de estar caladinhos e nem pecar em pensamentos. Mas acredita, diz, José Eduardo dos Santos. E isso basta. Se calhar a Lei da Probidade Administrativa fará que Angola suba para aí meio lugar nos últimos lugares do “ranking” que analisa a corrupção ou deixe de ser o país lusófono com a maior taxa estimada de mortalidade de menores de cinco anos.
Também não interessa se acreditam ou não. O importante é que o MPLA recebe os encómios dos países acocorados perante o petróleo angolano, que preferem negociar com um regime corrupto do que, eventualmente, com um que tenha uma base democrática.
Se calhar, pensam baixinhos os angolanos que usam a cabeça e não a barriga para analisar o seu país, para haver probidade seria preciso que o poder judicial fosse independente e que o Presidente da República não fosse – como acontece à luz da Constituição – o “cabeça de lista” (ou seja o deputado colocado no primeiro lugar da lista), eleito pelo do circulo nacional nas eleições para a Assembleia Nacional.
Se calhar para haver probidade seria preciso que não fosse o Presidente a escolher o Vice-Presidente, todos os juízes do Tribunal Constitucional, todos os juízes do Supremo Tribunal, todos os juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da Republica, o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas e os Chefes do Estado Maior dos diversos ramos destas.
Se calhar para haver probidade seria preciso que Angola fosse uma democracia e um Estado de Direito, coisa que manifestamente (ainda) não é.
Nota. Probidade significa: Observância rigorosa dos deveres, da justiça e da moral, honestidade e rigor na administração ou na função pública.
Axact

Revista 11

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